quarta-feira, 20 de abril de 2011

Dos incômodos (Parte II)

Seu Genaro Capelano era aquele tipo de pessoa que sempre tinha a coisa certa para dizer no momento exato em que eu mais necessitava. Ele gostava de enigmas; emitia suas opiniões através de frases famosas do cinema ou de personagens da literatura. Aos 86 anos, de um corpo esguio, meu avô tinha a agilidade de poucos. Às vezes, quando eu estava na minha última aula do dia, ele deixava um lembrete com a Dona Gina, a senhora da cantina que, por sinal, era ligeiramente apaixonada por ele. Era uma espécie de código. Eu tinha de encontrá-lo no Pátio do Colégio. E nós passávamos minutos - ou horas talvez – olhando o céu.

*

- Vô, se eu olhar apenas seus olhos, já consigo ver o céu, sabia? – amava as variações de azul que ocorriam ao longo do dia naquelas pequenas jabuticabas de Seu Genaro.

- Só você mesmo, querida – alisava os cachos dos meus cabelos – Mas e as nuvens? Consegue vê-las no céu dos meus olhos?

- Não – dei uma leve risadinha – Mas vejo umas estrelas bem pequeninas.

Ontem eu me sentei no banco em que costumávamos ficar. Foi como se ele tivesse aparecido ali, só para olhá-lo nos olhos.
*

2 comentários:

  1. Algumas pessoas guardam até mais do que o céu no seu olhar..
    Adorei as duas partes. Escreves muitíssimo bem, Milena.

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  2. Awn, que história mais lindinha, mais doce. Me encantou!

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Não estamos mais em 1968.