domingo, 12 de janeiro de 2014

Abertura

Tem o poeta que diz que o amor é grande e cabe na janela. E não é ventana qualquer, não: cabe naquela que está sobre o mar. Para mim, a janela é uma das coisas mais fascinantes já pensadas pelo homem. A porta expõe, mas o tal do pedacinho retangular - pensemos em seu modelo mais conservador - esconde. É a pura verdade, minha gente. Eu não minto. A janela atravessou os séculos exercendo sua profissão com maestria: eu vejo o mundo, de meu ponto privilegiado, como quem não quer nada. Posso abri-la para observar quem passa, visto que não tenho nada a fazer e nem passo em direção a lugar algum; posso, em determinada hora do dia, refrescar o ambiente com uma ventilação natural e prazerosa; posso falar com minha vizinha, gritando "Ô dona Arnalda, a senhora viu que o Pereira deu um safanão na Maria no capítulo de ontem? Perdeu foi?"; também posso ver o tal do amor passar. Se passar, não?!

Sentei aqui para escrever sobre o amor e acabei me distraindo com a janela. Já bem pensei: é uma tentação. Uma vez o Paulo bateu aqui em casa, veio refletir sobre o tempo, o excesso de informação de nossos dias, o fluxo constante de imagens e a nossa falta de concentração, à esta última eu repliquei: pois fale por você, querido. Não admito hipocrisias, mas agora me distraio com a janela. O problema é que meu amigo discorria sobre os celulares. Tenho a certeza de que, se eu reclamasse o papel da fenestra como grande vilão da arte de se concentrar, Paulo me falaria que "ninguém quer saber mais de janelas, quem tem tempo de ficar olhando pra fora?". (É, já tivemos esta conversa, justamente por isso sei bem suas palavras.)

Termino o segundo parágrafo, e ainda não consegui sair da janela. Outro dia me vi reclamando do fato de que só sei escrever sobre o amor. E, apesar de darmos crédito aos grandes da literatura, acredito que todo mundo saiba arriscar algumas linhas para falar de amor. Ainda mais depois de ter se arriscado numa aventura amorosa. É. O que eu ia dizendo, visto que não está nos meus planos estender esta conversa, é que a janela (calma! Leia o restante) sobre o mar deve ser de uma grandeza descomunal. Fico me perguntando se a janela descrita engloba tudo o que se encontra no campo de visão do poeta - antes de entrar na casa e seguir em direção ao mirante pessoal. Porque o mar é aquela coisa: você pode ser uma formiga ou o Sultan Kosen, turco de 2,51 metros, que ele continua imensurável e indiferente.

A janela, o amor e o mar, no poema, são metafóricos, pois o mesmo mar cabe num colchão e o mesmo amor cabe no espaço de beijar - que é um aperto só, vale acrescentar. Tudo bem, mas é de se pensar. O meu último amor, por exemplo, coube numa caixinha azul. Está tudo lá, o amor inteiro (ou o que restou dele). É triste? Não sei. Eu o vejo como algo elástico. A gente, no início, precisa, sim, do mar todinho como medida de expressão do nosso amor. E, da mesma maneira, no encontro de duas bocas conseguimos encaixar a paixão de uma vida intacta juntos. Mas e a história que recebeu um ponto final? Ela é jogada pela janela (outra utilidade, aliás) ou a aliança é lançada "acidentalmente" ao mar (conheço muitos colegas que precisaram reaver a joia, visto que tratava-se apenas de um ponto e vírgula). Ou ainda cabe em uma caixinha azul. 

Vejo a ventana como aspas. Uma à esquerda, outra à direita. Eu sou a citação. Estou aqui, feito andorinha, seguindo o conselho materno: para o fim de um amor, basta ir à janela esperar outro passar. Se passar, não?! Ah! Se ainda fosse uma sobre o mar...

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