domingo, 28 de outubro de 2012

Aquilo que poderia ser considerado um fim parcial

Por onde começar? Eu sinceramente não sei de que forma expressar o que estou sentindo. Sempre tive certo medo de encenar Romeu & Julieta, ou qualquer coisa (leia-se adaptação) dessa história. Acho que tenho uma espécie de bloqueio, algum trauma desenvolvido. Ela me lembra de situações passadas, momentos confusos em que eu talvez tenha magoado muito. Não sei. Criei um distanciamento. Na mesma medida em que recitava sozinha em meu quarto as falas de Julieta, bradava certo repúdio à personagem. "Não gosto de mocinhas feito Julieta. Eu quero Lady Macbeth [que sempre fora meu sonho]". Mesmo que muito provavelmente isto não fosse a verdade em sua totalidade, deixei Julieta de escanteio. Parei. Não mais li a peça, deixei de declamar trechos em inglês, parei de escrever por aí "what shall I swear by?". Apaguei. Tentei apagar. 

Eis que surge a oportunidade, após alguns anos, em outras circunstâncias, de montar alguma adaptação dos eternos apaixonados de Verona. Senti muito medo no início, por ter participado ativamente da concepção da nova peça e por, principalmente, ter sido escolhida para o papel de Julieta. Tive a plena certeza de que não seria capaz. Não queria ser capaz. Não queria de forma alguma sofrer por amor (levando-se em conta o momento em que vivia). Eu, para ser sincera, nem sabia o que era sofrer por amor de verdade. Descobri, com o tempo, que nunca havia sofrido de fato - me doía por filmes e livros; nunca por mim. A dificuldade foi enorme nos primeiros ensaios, gigantesca. Mas não tardou para eu conseguir encontrar algum caminho a ser percorrido. Em pouquíssimos segundos, assim que terminamos a peça, eu tive uma das piores e mais marcantes experiências de minha vida até hoje. Sensação de mentira, de engano; uma dor insuportável e um vazio gigantesco. Pronto. Agora, por ironia do destino, eu estava apta a interpretar Julieta. Senti, com a cavidade profunda e dilacerante, toda a força que poderia ser direcionada à personagem. Eu estava me tornando Julieta, ou ao menos aprendendo as formas de senti-la dentro de mim. 

Questiono: alguém me deu a opção de escolher entre minha vida e a de outra pessoa que eu mal acabara de "conhecer"? Tudo aconteceu de forma desenfreada, de maneira desconcertante. De repente, eu já não tinha mais nada o que costumava ter comigo. Aliás, apenas o meu desejo realizado: sentir (quase) tudo o que Julieta sente. Só para constar, se alguém tivesse me concedido oportunidade de escolha, eu nunca que iria abdicar da minha vida para saber como se dói um coração. Ainda mais da forma como tudo aconteceu. Fiquei com a impressão de que havia sido ludibriada e colocada em um potinho sem tampa (o que, por sinal, calha muito com nossa adaptação, pois Julieta pensa que Romeu desistiu de fugir com ela e tal).

Dessa forma, durante dois meses, eu tive lágrimas suficientes para chorar quando necessário. Aprendi demais com todo o processo - o meu e o dela. Aliás, este ano foi bem rico no quesito "aprendizado".
Como já dito mais ou menos acima, foi tão absurdo (no sentido de inesperado) o que aconteceu que se tornou impossível a associação com a minha vida "de verdade". Após alguns meses, quando tudo já havia se aquietado, li uma declaração do José Celso Martinez Corrêa que só fez confirmar as minhas suspeitas. Ele dizia que só era possível interpretar qualquer personagem de Shakespeare, de forma convincente e real, vivenciando os dramas do tal personagem. Vivenciando mesmo. Maldita história! Maldito bardo! Maldito Zé Celso! 

Pode ser uma grande viagem de minha mente, mas os ensaios de "Uma rosa para Julieta" foram embalados por todos estes pensamentos meus. Foi sofrido, mas até bem prazeroso. 

Com a certeza, um tanto mística, de que tudo finalmente se acalmaria com a apresentação desta peça, fico aliviada de a "pausa" - chamemos assim - ter vindo antes. A história foi apenas para uma gaveta. Aquilo que poderia ser considerado um fim parcial. Estou, na medida do possível, feliz.

Olivia e Leonard. Romeu e Julieta fora de Romeu & Julieta.

Ainda quero ser Julieta. Mas na minha vida.
Que se fechem as cortinas!

28/10/2012
00h05

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