sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Agora você chegou

Foto: Lisa Geue

Começou pela falta do beijo na testa. Fazia parte do ritual: sua mão deslisando pelo meu braço imóvel e um beijo suave na fronte, como quem diz que retorna logo.
Em suas várias saídas silenciosas, eu sempre permaneci acordada. Nunca consegui acreditar que você não era capaz de perceber isso. O seu toque fazia meu coração se acelerar. E, ao se levantar da cama com todo o cuidado, meus lábios tranquilamente repousados travavam uma breve luta contra o desapontamento.
Normal. Você ia. A gente se ligava quando o sol começava a se pôr - e o término dos telefonemas eram sempre em minha casa.

Confesso que nunca entendi essa sua pressa em ir embora. Mas o beijo na testa sempre me paralisou; eu o interpretava como um pedido singelo de desculpas. "Olhe, estou indo, mas a gente se fala!". Ou "Preciso ir. Te amo". Aí eu me dava conta de que o te amo surgia de minha parte.

Você se sentava e pousava os olhos em meu corpo inerte. Eu sentia o calor. Ao pegar a calça, a fivela do cinto batia no beiral da cama. Seus olhos voltavam rapidamente a mim. E eu prosseguia "dormindo". Zíper. Camiseta, meias e sapatos. Você checava as horas e demorava poucos instantes ajustando o relógio ao punho. Carteira e as chaves - do carro e de casa - no bolso esquerdo.

Você ia. Eu esperava seu telefonema. Você voltava. Os beijos em minha testa eram intervalos. Até que um dia tudo parou abruptamente.
Sem beijo. Sem despedida.


MB

Um comentário:

  1. no final, o que fica são as lembranças desses pequenos momentos, dos gestos mais simples, das palavras mais cálidas, dos beijos mais ternos... da saudade que em breve se tornará apenas uma lembrança, melancólica ou nostálgica, mas sempre viva... assim como as lembranças que virão... parabéns pelo texto, parceira de Fala Cultura!

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