segunda-feira, 27 de junho de 2011

Eu fiquei

A verdade é que eu finjo não me incomodar. Vejo, tento sublimar o impulso de falar, obtenho êxito e esqueço. Aí você repete - faz questão de repetir. Eu me lembro, decido falar novamente e, outra vez, procuro algo em que eu possa ocupar a minha mente e, principalmente, evitar brigas.
Para mim, o seu respirar profundo, a sua virada de olhos, o seu jornal deixado no canto e a sua alteração no timbre da voz já me deixam maluca. Instantaneamente, após ter falado, eu me arrependo. Eu sei que quando você apoia as mãos no sofá, insinuando que vai se levantar, você se levanta mesmo. Eu sei que quando você olha para a porta, olha para mim, para a porta, novamente para mim e enfia as mãos no bolso, você está insinuando que vai embora. Você vai embora mesmo.
Tudo isso porque um dia você foi.

Preciso lhe falar: eu me irrito com a penugem da sua barba na pia do banheiro, eu me irrito com os dois cadernos do jornal que você guarda ao lado do vaso sanitário, eu me irrito com os inúmeros copos que ficam largados pela casa; eu me irrito quando você dorme e não me dá boa noite, eu me irrito quando eu me acordo e você já está com o computador ligado, eu me irrito com os seus olhos que não buscam mais os meus. No entanto, eu me atenho a não me irritar. Eu finjo não me incomodar.

Quando eu tenho vontade de verter rios de lágrimas, eu vou ao encontro de dois objetos: a caixinha de música lilás e aquele baú marrom. A caixinha da bailarina me acalma, mesmo quando resolve não funcionar. Só de abrí-la, eu me aquieto. É como se a música tivesse mudado de casa; ela agora mora em minha mente; não mais com a bailarina.
Quando da música, pego o baú marrom e despejo tudo o que estou sentindo no momento. Resolve. Costumava resolver. Não mais.

Lembro do dia que você me perguntou para que eu guardava esse baú e o que havia dentro dele. Lembro quando você o abriu e se desapontou ao encontrar o vazio. Naquela hora, eu senti tudo novamente; as minhas dores. Eu senti minhas pálpebras latejarem; eu ouvi todos os insultos, as queixas, as reclamações sobre o meu amor perdido - que é você. Aí eu me senti culpada.

Culpada por ser infiel. Culpada por não acreditar. Culpada por exagerar fatos mínimos. Culpada por complicar demais. Como eu podia insultar o meu amor? Ou desacreditá-lo? O que fiz foi gritar e clamar para que fechasse o maldito baú. Por fim, joguei-o pela janela.

Agora só me resta contar a você. Mas suas mãos apoiadas no sofá, seu corpo insinuando a sua retirada, me lembram do dia que você foi. Eu fiquei. Eu fiquei esperando você.
Até que voltou.

- Mas seus olhos não. Seus olhos continuam não buscando mais os meus. - Não, por favor, não. Não se vá. Só traga seus olhos de volta.

[MB]

Um comentário:

  1. E eu sempre fico aqui, surpresa com a maneira que você lida com as palavras que escreve, como você retrata os acontecimentos de uma história... Fico surpresa. É extremamente agradável vir ao seu blog é ler um texto seu.
    E essa história... Céus, para mim, parecem ser tantos acontecimentos num mesmo texto que eu fico até perdida na hora de comentar um deles ou apenas aquele que mais me trouxe sentimentos. Todos me trouxeram muitos sentimentos.
    Nunca jogue fora a caixinha de música com a bailarina nem o seu baú, menina.

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