domingo, 1 de maio de 2011

Dos incômodos (Parte III)

A verdade é que as coisas não estavam indo muito bem em casa. Meu pai cada dia mais nervoso pelas dificuldades financeiras que enfrentávamos. E minha mãe mais chateada pelo nervosismo de meu pai.
Além disso, notei que mamãe estava se desentendendo muito com seu pai. Ela, que sempre fora paciente com Seu Genaro, agora não dispunha de mais tempo para conversas e só fazia reclamar o tempo todo. Um dia, escutei uma discussão entre ela e meu avô. Este dizia que algo “era besteira”, no qual ela respondeu que ele era “uma péssima influência para minha filha”. No caso, eu. Não sei do que falavam.

*
- Planeta Terra chamando Lara Capelano. Alô?

- Oi, Padilha - Mauro, um colega de outra classe, tirou-me dos devaneios.

- Ih! Está quieta hoje, Larinha. Sério, se for por causa da passeata... – mexeu nos cabelos negros, ajeitou os óculos milimetricamente em seu nariz e me olhou, como quem pedia para que eu continuasse.

- Não. Não. Eu vou. Já avisei para o Carlinhos. Além do mais – abaixei-me e tirei da mochila – “70% acham que o Congresso deve aprovar o impeachment de Collor”, diz a Folha de S. Paulo de hoje. Olhe, 16 de agosto.

- Se você não quiser ir, não precisa. Já sabe disso – piscou para mim – Nos encontraremos no portão do colégio na saída. Até mais.

Ele fora sincero. Nesses 11 meses sem meu avô, dos quais eu não havia superado nada, meu colega Mauro fora o que mais havia me ouvido e me dado conselhos.
Assim como meus amigos, eu ia para a passeata novamente. Meu avô, se estivesse aqui comigo, ativista político do jeito que era, iria com certeza. Além do mais, eu adorava esse movimento de pintar os rostos. Divertia-me muito me mascarar e ir para o meio da multidão.

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